Queda de braço entre governo e mercado continua em 2025. Entenda

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O que vai acontecer em 2025 com as rusgas que marcaram as relações entre o governo Lula e o mercado em 2024? Ora, elas prosseguirão ao longo do ano. Essa, ao menos, é a opinião de quatro entre quatro economistas ouvidos pelo Metrópoles. E o motivo da pequena unanimidade é simples: a principal fonte de tensão entre as duas partes permanece ativa. No caso, é a questão fiscal, que trata das relações entre receitas e despesas da administração federal.

Marcos Mendes, pesquisador da escola de negócios Insper e um dos maiores especialistas em contas públicas do país, é um dos especialistas que acredita na firme manutenção do embate. “O problema dominou o ano de 2024, porque caiu a ficha do mercado que a política fiscal do governo Lula é inconsistente desde o começo do mandato”, diz. “E o quadro para 2025 é simplesmente o mesmo. A inconsistência permanece.”

“Num primeiro momento, o governo foi bem-sucedido ao vender para a sociedade em geral, e para o mercado em particular, que cumpriria o arcabouço (as regras de fixam limites de despesas) e faria um fiscal ajuste gradativo ao longo do tempo”, afirma Mendes. “Mas eu e outros economistas desde o início mostramos que, para produzir os resultados prometidos, seria necessário elevar demais as receitas, algo que não seria viável.”

Num breve retrospecto, o economista destaca que o grande salto das receitas não veio, mas o buraco das despesas aumentou. “Antes de tomar posse, o governo Lula propôs a PEC da Transição, em 2023, que provocou um aumento de gastos da ordem de R$ 170 bilhões”, diz. “Depois, adotou medidas como a mudança da regra de reajuste do salário mínimo. Ele passou a ser corrigido pela inflação, como já ocorria, mais a variação do PIB de dois anos antes.”

Mudança de meta

Em abril, oito meses depois de aprovado o arcabouço, o governo mudou a meta de superávit primário fiscal (o saldo positivo entre receitas e despesas, antes do pagamento de juros), que havia estabelecido para 2025 e 2026. No caso de 2025, ela era de 0,5% do PIB e caiu para 0%. Para 2026, passou de 1% para 0,25% do PIB.

Na ocasião, o economista Braulio Borges, pesquisador do Centro de Política Fiscal e Orçamento (CPFO) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), considerou que a postergação da busca por um superávit, com a manutenção para 2025 da mesma meta de 2024, levantava “sérias dúvidas sobre o compromisso do governo de buscar alguma consolidação fiscal”. À época, a reação do mercado à medida foi compatível com a análise de Borges. Ou seja, fez-se o estardalhaço.

Plano frustrante

Gustavo Bertotti, economista-chefe da corretora Fami Capital, acrescenta que, ao longo do último trimestre do ano, o diagnóstico do mercado sobre o quadro fiscal sofreu nova deterioração. “Havia uma expectativa de que o governo anunciasse um plano de corte de gastos minimamente robusto”, diz. “Mas as medidas apresentadas (no fim de novembro) ficaram aquém do que os analistas esperavam.” Parte do resultado dessa “frustração”, nota Bertotti, foi visto em sucessivas disparadas da cotação do dólar.

Quando o mercado e muitos economistas – notadamente os de formação liberal – bradam contra a questão fiscal, não estão de olho apenas na relação entre despesas e receitas de determinado ano. Eles miram a trajetória da dívida pública do país.

Trajetória da dívida

A dívida bruta do governo geral (DGBB), calculada pelo Banco Central (BC) com dados do governo federal, INSS, estados e municípios, atingiu 78,6% do PIB até outubro de 2024. Em dezembro de 2022, estava em 71,7% do PIB. Ou seja, subiu 6,9 pontos percentuais (p.p.) em pouco menos de dois anos no governo Lula.

Na análise de Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, a piora na dívida não tem até aqui a intensidade registrada no governo Dilma Rousseff, mas o “filme atual é ruim”. “Há uma chance elevada dessa dívida chegar a 84% ou 86% do PIB em 2026, número semelhante ao alcançado durante a pandemia, mas sem razão que justifique tal piora”, afirma. “Se isso ocorrer, como justificar um aumento de 12 ou 14 pontos percentuais da dívida pública em situação econômica normal?”

“Mágica frágil”

Vale considera que “as ideias que permeiam boa parte do governo sobre política fiscal se resumem a duas: mais gasto gera mais crescimento, que gera mais arrecadação”. “Com mais crescimento, a dívida pública em proporção do PIB não sobe tanto. De fato, a forte alta do PIB nominal nos últimos dois anos ajudou a dívida a não aumentar muito”, diz. “E mais gasto de fato gerou mais crescimento, especialmente em 2024. Boa parte do PIB de quase 3,5% virá do impulso fiscal acumulado da primeira metade do mandato de Lula.”

O inconveniente, nota o economista, é que “essa mágica nunca conseguiu ser duradoura”. “E o problema é aumentar o gasto em um momento em que ele já se encontra num patamar elevado”, afirma.

Déficit

Nesse mesma linha, Márcio Holland, professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) e ex-secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda (2011-2014), aponta ainda que o país mantém um déficit nominal do setor público (saldo negativo entre receitas totais, inclusive aplicações financeiras, e as despesas totais) superior a R$ 1 trilhão.

Número que ele define como “especialmente elevado”. “Esse valor é digno de um período de pandemia ou guerra”, afirma. “Mas sem estarmos enfrentando uma pandemia ou uma guerra.” Holland acrescenta que, na atual toada, o país está “dando ração a um animal perigoso: a dominância fiscal”. “Ela ocorre quando os juros sobem e, mesmo assim, a inflação não cai.”

Além do Executivo

Embora proliferem críticas à contabilidade do governo, Marcos Mendes, do Insper, ressalta que o problema já não se restringe ao Executivo. Ele vai além. “O fato é que nosso sistema político como um todo se tornou incapaz de produzir equilíbrio fiscal”, afirma. “E isso inclui o Legislativo e o Judiciário.”

Para Mendes, o Legislativo fortaleceu-se nos últimos anos e, com isso, por exemplo, aumentou o valor das emendas obrigatórias. No caso do Judiciário, ele cita decisões que considera questionáveis, mas que resultaram em gastos expressivos para o Executivo. Ele menciona o caso da “tese do século”, que excluiu a cobrança do ICMS da base de cálculo do PIS/Confins.

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