Regime do Irã lança “clínica” para mulheres “rebeldes”
Com um orçamento de 3,5 milhões de euros (R$ 21,3 milhões), uma “clínica de beleza social” deve ser construída em Teerã, capital do Irã, para “ajudar” mulheres que não obedecem os códigos de vestimenta islâmicos, anunciou Mehri Talebi Darestani, diretora do departamento de Mulheres e Família da organização Ordenar o Bem e Proibir o Mal, financiada pelo regime iraniano. Ela disse que a clínica oferecerá “tratamento científico e psicológico para tratar [a vontade de] remoção do hijab”.
O anúncio causou uma onda de indignação no Irã e temores que o espaço seja usado para torturar mulheres. “Uma clínica de recuperação contra a corrupção não seria mais importante?”, “Não temos sempre cortes de energia? Não seria mais razoável aplicar esse dinheiro para outro fim?”, comentaram iranianos nas redes sociais.
O governo do presidente Masoud Pezeshkian tentou se distanciar publicamente desse plano e ressaltou não ter nenhuma relação com o assunto. “Mas quem aprovou o orçamento?”, questionou o site de notícias Jamaran.ir no início desta semana em uma reportagem sobre a indignação da sociedade com a ideia.
“Por trás dessa criatividade, há certamente muita pesquisa, reflexão, e, sem dúvidas, um orçamento gigantesco”, afirmou ironicamente à DW a fotojornalista Aliyeh Motallebzadeh, vice-presidente da Associação Iraniana para a Liberdade de Imprensa. “Mais pressão sobre as mulheres radicalizará os protestos contra o uso obrigatório do hijab”, avalia a ativista dos direitos das mulheres que já foi detida várias vezes.
“O caso da estudante Ahoo Daryaei, que ficou só de roupa íntima em público num protesto contra os guardas morais, mostra que essas jovens corajosas não têm medo de ações drásticas de protesto. Muitas mulheres se simpatizaram com ela. Houve aqui muita empatia. Suas ações foram o resultado de raiva acumulada há muito tempo devido à dura repressão”, acrescenta Motallebzadeh.
Protesto chama a atenção internacional
A estudante da Universidade Islâmica Azad, em Teerã, Ahoo Daryaei, de 30 anos, foi interceptada e assediada em 2 de novembro por supostamente estar usando o hijab de maneira “errada” aos olhos do regime. Durante essa discussão, parte de sua roupa teria sido rasgada. Como protesto, ela tirou a roupa e se sentou só de calcinha e sutiã no pátio da universidade. Pouco depois, ela foi presa. As autoridades da ditadura afirmaram que ela estaria sofrendo de “instabilidade mental”, sendo levada para um centro psiquiátrico.
Motallebzadeh está preocupada com Daryaei. Muitos manifestantes sofreram de doenças graves durante e depois da prisão. Essa também não foi a primeira vez que uma manifestante é internada num centro psiquiátrico. A jornalista e ativista de direitos humanos Kianoosh Sanjari se matou em 13 de novembro no centro de Teerã depois de ter sido internada à força e ter passado por eletrochoques.
“Quem resiste é considerado louco pelo sistema político do Irã”, afirma a iraniana Mina Khani, ativista de direitos humanos e jornalista que mora em Berlim, na Alemanha. “Demorou para se saber o nome da estudante. Ninguém próximo a ela se atreveu a procurar a imprensa ou organizações de direitos humanos. Um homem, que afirma ser o ex-marido dela, foi colocado diante das câmeras e pediu para pararem de divulgar as imagens e acompanhar o caso. O que ela fez foi um choque para a sociedade patriarcal iraniana. Pode ser que nunca mais vamos ouvir falar dela, mas seu protesto deixou um rastro.”
Daryaei teria recebido alta em 7 de novembro, segundo o presidente da Associação de Psiquiatras do Irã, Vahid Shariat, publicou em seu perfil no X em 17 de novembro. Não se sabe quais as condições de saúde da estudante e nem que “tratamento” ela teria recebido na clínica.
Abuso da ciência
A ideia de abrir uma “clínica de beleza social” para mulheres que se recusam a seguir as normas rigorosas para vestimentas parece ser uma tentativa de intimidá-las e, ao mesmo tempo, ser conveniente à base religiosa do sistema político. A organização Ordenar o Bem e Proibir o Mal argumenta que a iniciativa surgiu após pedidos de muitas famílias que supostamente se sentiram ameaçadas devido à crescente recusa de mulheres no país a continuar a obedecer o código de vestimenta.
Iniciativas que visam obrigar mulheres a mudarem seu comportamento são alvos de críticas de especialistas no país. O próprio presidente da Associação de Psiquiatras do Irã, Vahid Shariat, afirmou ao jornal iraniano Etimad que é um equívoco acreditar que é possível mudar ou “curar” o estilo de vida de pessoas com a criação de uma clínica.
“Essa ideia representa um abuso da linguagem e vocabulário científicos, o que acaba prejudicando a própria ciência”, destaca Shariat. “Não se pode interpretar arbitrariamente os princípios científicos e todo dia declarar algo novo como doença ou anomalia. Nós não podemos e não devemos rotular pontos de vista diferentes como desvio, e então tentar curá-los.”
Desde o início do movimento feminino em setembro de 2022, após a morte de Mahsa Amini, aumenta a cada dia no país o número de mulheres que se recusa a usar o hijab. Nem mesmo controles rigorosos e violentos estão conseguindo deter essa tendência. Amini foi presa pela polícia da moral porque seu lenço não estava correto e deixava à mostra alguns fios de cabelo. A jovem de 22 anos morreu sob custódia da polícia.
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