Ninguém mais do que Trump torce para que Biden não saia de cena
O presidente Joe Biden foi ao encontro de Donald Trump imaginando que o debate seria apenas mais um evento de campanha, como outros debates dos quais participou ao longo de sua extensa vida pública, inclusive com o próprio Trump. Estava gripado, um pouco rouco, mas achava que daria conta do recado.
Se vencesse, tudo bem, já vencera Trump em dois debates na eleição de 2020, o primeiro com mais folga do que o segundo. Se perdesse, campanha que seguiria normalmente, com chances de vitória para ambos os lados, e com um novo encontro marcado para novembro próximo, a poucos dias da eleição.
Mas o Trump do passado era muito diferente. A começar pelo fato de que o presidente era ele, e Biden o desafiante idoso que Trump acreditava abater com facilidade. A máquina poderosa do governo americano estava nas mãos de Trump e ele não teria escrúpulos em usá-la. Poucos presidentes, afinal, deixam de se reeleger.
Acontece que Biden deparou-se com um animal ferido, no ego, nos negócios, ameaçado por numerosos processos, sob o risco de ser preso, e disposto a sobreviver. E Biden, sem que se desse inteiramente conta disso, estava no pior de sua forma mental. Logo à primeira fala de Biden, deu-se o apagão que anunciou o desastre:
“Seremos capazes de ajudar a garantir todas as coisas que precisamos fazer, cuidar de crianças, cuidar de idosos, garantindo que continuemos a fortalecer nosso sistema de saúde, garantindo que podemos fazer cada pessoa elegível para quê.. Tenho conseguido lidar com o COVID, desculpe, lidar com tudo que tem a ver com… finalmente, vencemos o Medicare”.
Medicare é o plano de saúde criado pelo presidente Barack Obama; seu vice era Biden. O que o plano teria a ver com a garantia de “fazer cada pessoa elegível” para o “quê”? Foi Trump que teve de lidar com o Covid no pior momento da pandemia, não Biden. O Medicare segue de pé e não é para ser vencido, mas preservado.
Debates não definem a sorte de eleições, segundo especialistas no assunto. A não ser que produzam hecatombes memoráveis. Esse debate produziu. Não foi Trump que venceu o debate, foi Biden que perdeu. Trump foi o de sempre, enérgico, mas sem ideias, a mentir compulsivamente e a fugir das perguntas.
Em um comício, ontem, no estado da Virgínia, Trump tripudiou sobre seu oponente:
“Alguém aqui assistiu a uma coisa chamada debate? Ele passou uma semana se preparando para o debate, conseguiu as regras, a data e os moderadores que queria, mas isso não o ajudou. Ele estudou tanto que não sabia o que diabos estava fazendo ou dizendo”.
A campanha de Trump postou um anúncio que mostra Biden tropeçando em escadas e lutando para vestir uma jaqueta. Diz o anúncio: “Ele sobreviverá por quatro anos? E você sabe quem está vindo atrás dele. Vote em Joe Biden hoje, ganhe Kamala Harris amanhã.”
Kamala é a vice de Biden que nunca se destacou. É um dos nomes cotados para substituir Biden como candidato a presidente. Mas se Trump parece não temer Kamala, certamente teme outros nomes do Partido Democrata que poderiam derrotá-lo se Biden lhes desse passagem. Mas, Biden não quer dar, por mais pressão que sofra.
Biden admitiu seu tropeço em comício no estado da Carolina do Norte:
“Sei que não sou um jovem, para dizer o óbvio. Não falo tão bem quanto costumava. Não debato tão bem quanto costumava. Mas sei o que sei. Eu sei como fazer esse trabalho”.
Obama minimizou o desastre, mas foi direto ao ponto:
“Noites ruins de debate acontecem. Confie em mim, eu sei. Mas esta eleição ainda é uma escolha entre alguém que lutou por pessoas comuns a vida inteira e alguém que só se importa consigo mesmo.”
Saber a hora de sair de cena é uma arte que poucos dominam.