Menina de 11 anos ataca vizinha em vídeo racista: “Pretos ridículos”
São Paulo — Uma menina de 11 anos gravou vídeos com ofensas xenófobas, gordofóbicas, misóginas e racistas. Filha do síndico do condomínio onde mora, na zona norte de São Paulo, a garota direcionou a maior parte dos xingamentos a uma menina negra de 12 anos, também moradora do local.
As gravações foram compartilhadas em um grupo de WhatsApp que reúne crianças residentes no condomínio. A mãe de uma dessas crianças viu o teor dos vídeos e compartilhou o conteúdo com a mãe da vítima.
A mulher procurou a polícia, no último dia 19 de dezembro, para registrar um boletim de ocorrência (B.O.).
Ofensas
“Pretos são ridículos e deviam todos morrer”, disse a garota, de 11 anos, que também sugeriu que pessoas negras fossem esfoladas para “ficarem brancas e, assim, mais bonitas”.
“Você não acha que se eu arranhasse [a menina negra de 12 anos] ela ficava branca? Eu acho que ela pode se arranhar que daí a pele dela ficava mais clara e ela ficava bonita. Acho que [ela] branca seria linda”, disse.
A garota também afirmou que pessoas negras são burras e, por isso, foram escravizadas. “Sabe aquela descrição loira burra? Eu acho que não é. Eu acho que preto é mais burro que loiro. Porque se os pretos fossem inteligentes, eles não seriam escravos né? Eles seriam quem escraviza”, afirmou.
Outra menina, cuja voz aparece ao fundo, perguntou se, para ela, quem escraviza é mais inteligente. A garota de 11 anos respondeu que “sim”. “Eu sou branca e sou inteligente”, disse.
Esta outra pré-adolescente não endossou as ofensas, e contestou diversos dos xingamentos. Pelo teor da conversa, a primeira garota estava induzindo a outra a concordar com as falas preconceituosas.
O Metrópoles teve acesso às duas gravações, que somam aproximadamente 14 minutos, e destacou trechos das ofensas. Veja:
A garota teria dito ainda que “bolivianos fedem” e que “desde pequena não gosta de ficar perto de boliviano”. Ela também disse que a menina negra de 12 anos é gorda e precisa emagrecer.
Além disso, ela os ofendeu também a mãe da pré-adolescente negra, dizendo que a mulher “tem cara de puta”.
À polícia, a mãe da vítima afirmou que foi informada das ofensas no dia 18 de dezembro. Ela procurou o síndico do prédio, que é pai da garota que gravou os vídeos preconceituosos, mas ele teria reagido de forma ríspida.
“Se exaltou, dizendo que estava ocupado e com problemas, mas posteriormente enviou um áudio de desculpas”, diz o depoimento da mãe, disponível no B.O.
Menina teria sido preconceituosa em outros episódios
De acordo com o pai da vítima, a menina que gravou os vídeos “é reincidente nesses casos de preconceito”.
“Uma das frases que ela mais utiliza nesse condomínio, primeiro, é que ela é a filha do síndico. Então, por ser filha do síndico, ela acha que ela tem liberdade para fazer o que ela quer aqui”, contou.
Segundo o pai, a garota já teria ofendido um porteiro e uma menina de origem árabe que morou no local, dizendo para ela “procurar macho no seu país, porque aqui não é o seu país”.
O pai disse ter questionado o síndico sobre a postura da menina, o que não surtiu efeito. “Ele falou: ‘ah, eu dei um corretivo nela, eu bati nela, coloquei ela de castigo’. E a educação correta, que é bom, nada. Porque não adianta só bater e colocar de castigo e não ensinar o que é certo e o que é errado”, destacou.
Síndico se retratou
Uma semana após a repercussão, já passado o Natal, o pai da vítima mandou uma mensagem no grupo dos moradores do condomínio demonstrando insatisfação com a situação.
Em resposta, o pai da menina de 11 anos e síndico dos prédios publicou uma retratação no grupo.
No texto, ele diz que já havia tido duas conversas particulares com a família da vítima, nas quais afirmou – e reforçou na mensagem enviada ao grupo – que “nós não concordamos com o que foi dito por nossa filha. Nós não demos esse tipo de educação para a nossa filha. Nós estamos arrasados como pais e acho que falhamos em algum momento”, disse.
“Sou filho de uma baiana e meus avós eram afrodescendentes. Fomos criados todos na imagem e semelhança de Deus”, continuou o síndico. Ele finalizou a retratação pedindo desculpas à família ofendida “no amor de Cristo”.
A reportagem não conseguiu contatar o síndico. O espaço segue aberto.
Revolta e impacto emocional
O advogado da família, Diego Moreiras, disse ao Metrópoles que os vídeos causaram revolta entre os moradores do condomínio. A família, especialmente, ficou bastante abalada. “Entraram em um completo estado de choque”, afirmou.
“Após toda essa situação, a criança que foi ofendida ficou visivelmente abalada, passou a ter receio de descer pras áreas comuns do condomínio, ficou triste, [apresentou] até um sintoma no início de depressão”, relatou Diego.
O advogado, que é um homem negro, disse que nunca havia se deparado com uma situação assim. “Ainda mais envolvendo crianças. Então, assim, foi algo, pra mim, bastante estarrecedor”, contou.
Segundo ele, o que mais chamou sua atenção foi a naturalidade com que a menina proferiu essas ofensas. Para o defensor, a criança foi ensinada a ter esse comportamento.
“Aquilo me causou muito espanto. Se fosse uma fala exclusivamente racista, a gente poderia pensar ‘poxa, de repente, ouviu em algum lugar, está comprando uma ideia que de repente escutou’. Mas, assim, foi um completo absurdo. Sabemos que isso veio de algum lugar, tem alguma origem. Então, fiquei bastante aterrorizado”, ressaltou o advogado.
Responsabilidade cível e criminal
Conforme o advogado, não existe a possibilidade de denunciar criminalmente a menina responsável pelas ofensas – e nem mesmo ato infracional, já que a medida cabe para adolescentes com idades entre 12 e 17 anos.
“Do ponto de vista jurídico, a criança não pode ser denunciada criminalmente, porque ela não possui capacidade penal. A capacidade penal seria, via de regra, a partir dos 12 anos, que [é quando] ela poderia responder por atos infracionais, que é o equivalente a crime, mas não é crime”, explicou.
Nesse caso, os pais têm responsabilidade civil, e podem ser condenados a indenizar a família ofendida por danos morais. O advogado disse que o caso será encaminhado ao conselho tutelar, que deve “avaliar a situação da criança e da família e verificar possibilidades de aplicar medidas protetivas ali, como orientação psicológica, encaminhamentos a programas de conscientização e outras ações educativas”.
Ainda conforme revelou o advogado, caso haja evidências de que os pais incentivaram ou foram negligentes em relação ao comportamento racista dessa criança, ou que eles criam um ambiente que propaga discriminação, eles devem ser investigados criminalmente pela omissão.
O que dizem as autoridades
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) informou que o caso é investigado pelo 19º Distrito Policial (Vila Maria), responsável pela área dos fatos.
A investigação deve apurar o crime de injúria racial e as partes — responsáveis pelas pré-adolescentes — serão notificadas para prestar depoimento, ainda segundo a pasta.