Ex-CEO da Americanas preso na Espanha adiou volta ao Brasil 2 vezes

Ao pedir a prisão do ex-CEO da Americanas Miguel Gutierrez, a Polícia Federal (PF) afirmou que o executivo adiou duas vezes sua volta ao Brasil em meio à investigação sobre a fraude bilionária na varejista. Segundo a PF, um equívoco na juntada de uma decisão judicial a um recurso de um dos investigados pode ter servido para que Gutierrez soubesse que seria alvo de medidas mais duras e desistisse de vez de voltar ao país.
Miguel Gutierrez foi preso nessa sexta-feira (28/6), em Madri, na Espanha, pela polícia espanhola. Ele tinha mandado de prisão expedido pela Justiça brasileira desde quinta-feira (27/6). Como Gutierrez tem cidadania espanhola e estava no país desde o ano passado, seu nome foi incluído na difusão vermelha, a lista de foragidos internacionais da Interpol. O governo brasileiro deve pedir a extradição do ex-CEO da varejista.
O inquérito da PF foi instaurado em janeiro de 2023. Meses depois, no fim de abril, foi aberta a CPI da Americanas no Congresso Nacional, que levou à convocação de Gutierrez e de outros executivos da empresa. Àquela altura, ele já era apontado como um dos principais envolvidos na fraude bilionária da varejista.
A partida de Gutierrez foi feita às pressas. Ele comprou uma passagem no dia 28 de junho de 2023 para Paris e partiu no dia seguinte, junto de sua esposa. Na passagem, inicialmente, constava que a volta seria no dia oito de julho do mesmo ano. Ele, no entanto, não embarcou. Depois, a viagem de volta foi remarcada para dia 20 de junho de 2024. Novamente, ele não retornou, e o bilhete pode ser utilizado, no máximo, até este sábado (29/6).
Vazamento por engano
Segundo a Polícia Federal, Miguel Gutierrez usava a justificativa de que estaria fazendo um tratamento médico na Espanha. Ele lançou mão desse argumento pelo menos uma vez, publicamente, quando depôs à CPI por videoconferência. Os investigadores suspeitam, no entanto, que ele tenha adiado a volta duas vezes porque ficou sabendo de que poderia ser alvo de mandado de prisão.
Segundo a PF, por engano, foi juntado um ofício sigiloso da Justiça a um recurso de outro executivo no âmbito das investigações no qual havia menção a cinco medidas cautelares sigilosas que estavam pendentes de apreciação do juiz do caso. Esse ex-diretor da Americanas era amigo de longa data de Miguel e de Anna Saicali, que está em Portugal e é tida como foragida.
A suspeita é de que Gutierrez possa ter sido avisado por esse executivo ou mesmo por advogados da existência dessas medidas cautelares e desconfiado de que poderia terminar preso. O pedido de buscas e apreensões foi feito em abril e essa juntada equivocada do documento no processo aconteceu em maio de 2024.
Offshore e imóveis
De acordo com o pedido de prisão, o executivo também começou a repassar imóveis e automóveis para o nome de terceiros, como parentes. Ainda foi identificada a criação de uma offshore em paraíso fiscal.
Os dois executivos que deixaram o país lideram a lista dos diretores que fizeram as maiores movimentações atípicas com ações quando, segundo as investigações, souberam que a crise da Americanas iria estourar, no segundo semestre de 2022. Gutierrez vendeu R$ 158 milhões em meio à crise ainda não revelada ao mercado. Já Anna Saicali se desfez de R$ 57 milhões em ações.
Miguel Gutierrez foi preso nessa sexta-feira (28/6), na Espanha. Há dois caminhos para as investigações sobre ele agora. O primeiro se daria pela extradição dele para o Brasil. O rito para que isso aconteça depende de um pedido do governo brasileiro ao pedido da Espanha. No entanto, o feto de o executivo ter cidadania espanhola pode ser um impeditivo legal e levar o governo espanhol a rejeitar o pedido, caso seja feito pelo Ministério da Justiça.
A segunda alternativa seria a continuidade das investigações sobre ele lá, desde que sejam sobre atos que também considerados crimes em território espanhol.
Cartas à Justiça e à CPI
Gutierrez ficou conhecido por enviar cartas à Justiça e à CPI da Americanas no Congresso Nacional nas quais afirmava que os acionistas Jorge Paulo Lemann, Alberto Sicupira e Marcel Telles tinham conhecimento sobre a crise da Americanas. Dizia, ainda, que ele (Gutierrez) se tornou “um conveniente bode expiatório para ser sacrificado em nome da proteção de figuras notórias e poderosas do capitalismo brasileiro”.
À época, ele já afirmava estar na Espanha e dizia se sentir ameaçado. Segundo investigadores, ele tinha conhecimento da falsidade nos balanços da empresa, que deram azo a lançamentos de bônus milionários de executivos, como também usou essas informações para se blindar de prejuízos no mercado financeiro.
Uso de informação privilegiada
A Operação Disclosure, da Polícia Federal, teve mandados de busca e apreensão cumrpidos no Rio de Janeiro. Os crimes pelos quais os ex-executivos são investigados são manipulação de mercado e uso de informação privilegiada.
Segundo a decisão judicial que autorizou a operação policial, a PF atribui aos investigados “manobras fraudulentas” destinadas a alterar “os resultados reais da empresa, com o objetivo de receber vantagens indevidas com o pagamento de bônus por metas atingidas, e elevar de forma ilícita a cotação das ações das Americanas, pois, assim, gerariam ganhos financeiros não justificados, visto que alguns dos investigados tinham participação acionária nas empresas”.
Segundo investigadores, as manobras “causaram grande prejuízo para os demais acionistas, principalmente aos minoritários, que, em razão da falsa saúde financeira das empresas, operavam transações acionárias com preços inflacionados”.
Delações premiadas
As investigações foram abastecidas pelas delações premiadas dos ex-diretores Marcelo da Silva Nunes e Flávia Pereira Carneiro Mota.
Eles contaram, em delação, que as fraudes se iniciavam com o preparo, pela equipe de Relações com Investidores, de um arquivo chamado “verdes e vermelhos”, que fazia parte de um “kit de fechamento trimestral”.
Nele, constava a expectativa de crescimento por parte de analistas de mercado. Segundo as delações, quando elas não eram atingidas, a diretoria mudava os resultados “para não frustrar as expectativas de mercado”.
Cópias desses arquivos “Verdes e Vermelhos” foram obtidas pela Polícia Federal. Eles mostram o comparativo entre os números prévios e as expectativas de mercado. Há, ainda, conversas e e-mails entre executivos da rede varejista que mostram ordens internas para incrementar números reais para que ficassem próximos do esperado pelo mercado.