A escolha facílima (Por Miguel Esteves Cardoso)
É muito engraçado. Uns não vêem televisão e espantam-se que se decida o voto com base num único debate televisivo.
Têm razão. Muitas pessoas, que passaram os últimos anos a ler centenas de artigos e de livros sobre Joe Biden e Donald Trump, acham estranhíssimo que se dê importância à televisão.
Para outros, ver televisão é tão arcaico como ler livros e preferem ver excertos humorísticos do debate. Depois votam em Biden ou em Trump, ou não se dão ao trabalho de ir votar – mas as impressões que depois decidem o voto foram colhidas nesses excertos humorísticos que viram.
A perspectiva humorística, que é cada vez mais poderosa em todas as eleições, não só é importante, como inescapável. Facilmente se imagina uma rábula em que Statler e Waldorf, os dois velhotes dos Marretas que estão sempre a marrar um com o outro, se pôem a discutir qual dos dois é que está menos senil.
Já na eleição anterior me queixei da pobreza da escolha entre Trump e Biden. Agora a escolha ainda é mais assustadora – sobretudo para quem não pode votar nem num nem noutro, por não ser cidadão dos EUA.
Uma coisa continua a ser certa: Trump é muito pior do que Biden, porque não se apoia nos conselheiros, não respeita nem a inteligência nem a cultura, é um bárbaro e um narcisista, descontrolado e vingativo.
Os brancos de Biden não têm importância nenhuma: ele está apoiado por grandes cabeças, frias e ponderadas. O que interessa em Biden são as coisas mais importantes: é a decência, a experiência democrática, o respeito pelas diferenças e pelas liberdades.
Biden não é um selvagem. Biden não despreza os colaboradores. Biden atrapalha-se quando quer mentir. Biden tem vergonha na cara. Biden conhece o sistema político americano como ninguém. Sabe tirar partido dele para moderar os ânimos dos extremistas. É um moderado, um apaziguador, um bem-disposto, um sentimental, um gajo porreiro.
Acaba por ser uma sorte, para votar contra Trump, poder votar em Joe Biden.
(Transcrito do PÚBLICO)
