Os espertos pecadores batem no peito e pedem falsas desculpas
Por que não acreditar na sinceridade de propósitos dos seres humanos em geral – e na dos políticos em particular, mesmo na deles? Sou cristão e sobrinho de bispo. Fiz minha primeira comunhão com cinco anos. Pensei em ser padre até os 12. E de vez em quando ainda vou à missa e comungo.
Dou de barato, pois, que é para valer o surto de expiação pública de pecados que acometeu o PT desde que ele chegou ao poder.
Dia sim, dia não, alguma cabeça coroada do partido se ajoelha, contrita, bate no peito e diz: “Pai, perdoai porque pequei”.
E confessa pecados veniais e mortais – todos naturalmente anteriores às eleições de 2002. De lá para cá, escassearam os pecados. Ou ainda não foram identificados.
Lula bateu ontem no peito e lamentou ter combatido em 1987 durante o governo Sarney o projeto de construção da Ferrovia Norte-Sul. Na época, o PT enxergava roubalheira em tudo. O próprio Lula chamou Sarney de o maior ladrão da República – deveria aproveitar que Sarney virou seu aliado para lhe pedir perdão.
“Às vezes cometemos erros por paixão”, desculpou-se Lula. Não só por paixão: por ignorância, maldade e cálculo político também.
O ex-deputado Jair Meneghelli, atual presidente do Serviço Social da Indústria, foi mais franco do que Lula em sua autocrítica: “Nós fomos irresponsáveis quando oposição. No governo Fernando Henrique, fomos contra coisas que se voltaram contra nós, agora no governo”.
Além de arrependimento, é inegável que há uma forte dose de esperteza em todas essas comoventes declarações.
PSDB e PFL fazem oposição cerrada ao governo. Ocupam-se em desqualificar seus principais projetos. E enxergam manobras perversas em todas as suas atitudes – exatamente como o PT fazia no passado em relação a todos os governos.
Ao reconhecer que errou e errou feio quando estava na oposição, o PT quer sugerir que a oposição possa estar errando e errando feio também. Elementar, meus caros.
(Publicado aqui em 3 de setembro de 2004)